segunda-feira, 2 de novembro de 2015

O JORNALISTA MAIS DESINTERESSANTE DO PAÍS















É lei: todo jornalista que se preze, do Oiapoque ao Chuí, tem sempre ao menos um causo interessante para contar sobre suas primeiras andanças em busca de notícias. Isso é um fato desde quando a expressão “do Oiapoque ao Chuí” ainda era utilizada – aliás, não sei por que abandonaram a bichinha, sempre gostei dela.


O pernambucano Geneton Moraes Neto, aos 16 anos, entrou marotamente num sanatório, sem se identificar como jornalista, para ver como eram as instalações do prédio, a comida servida aos pacientes etc. Descobriu, basicamente, que o lugar era uma boa merda e a comida, idem. Posteriormente, ao conversar com a direção do sanatório, já devidamente apresentado como repórter do Diário de Pernambuco, ouviu dela que o lugar, ao contrário do que ele vira, era quase uma sucursal do céu na Terra - com direito a anjinhos nus tocando harpas douradas na recepção. 

Assim como Geneton, outros tantos vivem por aí (quando perguntados) contando suas aventuras jornalísticas dos tempos de foca (aos não iniciados, “foca” é o jornalista novato). De modo que eu, um foquinha, me vi pretensiosamente tentando recordar alguma experiência pessoal que fosse digna de contar daqui a alguns anos para o gravador de algum repórter sonolento. Matutei por horas, dias e meses. Até que, humilhadíssimo, desisti e tratei de aceitar o fato de que o mais provável era eu ser entrevistado após receber o título de jornalista mais desinteressante do país. 

E o curioso é que, depois de um tempo, eu comecei não só a gostar da ideia do prêmio, mas até a desejá-lo. Perdi a conta de quantas vezes sonhei com a noite de premiação do jornalista mais desinteressante do país. Concorrendo comigo, estariam repórteres de todos os grandes jornais e portais do Brasil. Todos orgulhosos e confiantes por causa da certeza de só terem produzido matérias chatíssimas ao longo do ano. Andando de um lado ao outro do salão, vejo os indicados conversando entre si. 

- Este ano não tem pra ninguém, rapaz! A minha cobertura sobre as manifestações foi tão preguiçosa que eu nem saí da redação, e ainda inventei todas as falas e dados que estavam lá --, um indicado cochichou para outro. 

- E eu, que só publiquei no meu jornal cópias de releases? Nem li aqueles troços, foi tudo Control C + Control V, meu filho! 

Vendo a conversa, pulo no meio dos dois e começo a berrar. “Alto lá! Esse prêmio é meu e ninguém tasca! Olhem aqui essa matéria, olhem como eu respeitei bem o lide, vejam como eu não brinquei nem uma única vez com o texto, percebam como sou empolado e previsível. Viram que não existe nenhuma linha aqui que traga algo realmente novo?”. 

Mas eis que, inexplicavelmente, ouço vozes vindas do céu. Intrigado, solto o colarinho dos repórteres com quem discutia e tento identificá-las. Sei que uma, inconfundível, é do Paulo Francis. A outra, se não me engano, do Nelson Rodrigues. Percebo ainda Otto Lara Resende, Ivan Lessa, Millôr Fernandes, Paulo Mendes Campos e Joel Silveira. São os guardiões do bom jornalismo. Estariam me chamando?

Nenhum comentário :

Postar um comentário